Alberte Pagán. O meu primeiro encontro com a obra de Graham Rawle tivo lugar nos anos noventa no Weekend Guardian, no que publicava semanalmente as suas bem-sucedidas Lost Consonants. Estas vinhetas cómicas, sustentadas em jogos de palavras e de imagens e ideais para a aprendizage do idioma, bebem dumha longa tradiçom humorística na literatura em inglês que nace dos calembures de Shakespeare e desemboca nos trocadilhos a grande escala de Finnegans Wake, passando polas palavras híbridas e acrónimos de Lewis Carroll. As suas posteriores Bright Ideas, publicadas em The Times, continuam esta veta de engenho e humor inteligente.
Quando lim o romance Woman’s World (2005) de Rawle pensei em Finnegans Wake e na página “Tunc” do Livro de Kells, na que a forma (a imagem) parece querer ocultar o contido, na que as dificuldades da leitura formam parte do significado, na que fundo e forma som um tudo indissolúvel. Nesse senso a metaficçom de Rawle irmana-se com A Humument de Tom Phillips, que igualmente parte dum texto alheo que o autor “trata” graficamente. Tanto Phillips como Rawle som artistas gráficos que “escrevem” com palavras que nom lhes pertencem.
Para a escritura das 437 páginas de Woman’s World o autor recortou 40.000 fragmentos (palavras, frases, números, imagens) de centos de revistas femininas de princípios dos anos 1960 que foi colando meticulosamente, respeitando tamanhos e fontes, para a construçom dos seus parágrafos. Com essas tesselas Rawle redigiu umha narraçom que tinha esboçada ao jeito tradicional. Indubitavelmente a origem das palavras deixa umha funda pegada no relato, transformando-o ao tempo que os vocábulos se deixam transformar por el. A técnica nom deixa de ser similar ao processo de “cortado” elaborado por William Burroughs, ainda que o resultado final, que aspira a umha narraçom fluida, difira do estilo das novelas do escritor estadunidense, nas que as costuras narrativas som evidentes.
Woman’s World é umha obra visual. Mesmo os números dos capítulos e os de página, às vezes em letras, som recortes colados. Muito do vocabulário do romance procede da publicidade das revistas, assi como as ilustraçons (casa, cam, batom, pneumático, saia, concurso de beleza, aviom, lábios, orelha…) que expandem a narraçom. E a linguage publicitária integra-se no relato com humor, bem citando nomes comerciais (“Maravilhosos Estropalhos Brillo para a cozinha, as janelas, o vertedeiro e o escorredor. No fundo da sua mente . . . limpeza! E isso acontece com todas as mulheres”, p. 5; “mascando goma Wrigley sabor a menta”, p. 111), bem interrompendo a acçom para introduzir “conselhos publicitários” ou sugestons sobre saúde e alimentaçom. Por exemplo, na p. 259 menciona-se um carro Ford Anglia e de seguida a linguage comercial fai-se ouvir: “O novo Ford Anglia é um carro popular, razoou, do que desfrutam muitas famílias por todo o país”. Na p. 305 a preocupaçom de Eve pola reaçom de Roy, o protagonista, que achaca ao estado da pintura nos seus lábios, dá entrada à língua comercial: “Em Hollywood (onde o rosto dumha moça é a sua fortuna), o Vermelho Lume-no-Soto, o sensacional novo batom com ‘Acabado de Pétala’ de Yardley, está a ser louvado polas mais fermosas damas, e tornará os teus lábios jovens, alegres e sedutores”.
Mas nom deixemos que o aspecto visual e cómico do romance nos faga esquecer a trama. Nas primeiras páginas é inevitável que a vista se centre na construçom material do romance mas, como acontece com a página “Tunc”, temos que atravessar a disposiçom gráfica para acedermos ao contido narrativo. E mui pronto este relato de travestismo, traumas familiares e assassinato (suspeito), com toda a sua riqueza e giros inesperados, fai-nos esquecer o formato e avançamos página após página sem sermos conscientes (e isso é grande mérito) da enorme variedade de fontes, tamanhos, formatos e procedências.
O romance está narrado em primeira persoa por Norma, que já na primeira página nos apresenta o seu irmao Roy e a empregada doméstica Mary. Numha segunda leitura, necessária para apreciarmos os matizes dumha trama complexa e inesperada, descobrimos pormenores que nos passaram despercebidos: sem sairmo-nos da primeira página topamos com umha frase significativa: “E eu nom som realmente mui diferente de outras mulheres.” Porque Norma realmente é Roy, um Roy travestido, a versom feminina de Roy, um desdobre de Roy. E a empregada Mary, que surpreendentemente tem autoridade sobre Norma (proíbe-lhe sair à rua e mesmo assomar-se à janela), resulta ser a mai protetora. Quando a vizinhança vê Norma recolher o correo na porta a mai Mary há de justificar a sua presença como sobrinha de visita.
Numha das nom permitidas saídas de Norma um tal senhor Hands promete-lhe umha sessom fotográfica. Quando descobre que a fotografia nom é mais que umha escusa para o assalto sexual, Norma foge golpeando o home e deixando-o por morto. No entanto Roy começa umha relaçom com Eve. Finalmente, como em bom melodrama, Norma deixa de ser para permitir a felicidade do seu irmao. Mas nom esqueçamos que quem narra esta felicidade é a própria Norma, que segue a habitar a mente de Roy.
Perdón:
Me equivoqué de dirección. Mi entrada no era por aquí. Gracias.
Xerardo:
¡Menudas familias!, a pesar de sus buenas posiciones matrimoniales, pero es lo que suele pasar entre estas gentes de tan alto nivel económico.
Curiosamente, suelen acabar mal. Y en muchos casos, algunos, están como cabras. Aun así, intentaré encontrar, por alguna librería, a esas locas Hermanas Mitford.
Me ha gustado tu narrativa.
Un saludo desde esta hermoso lugar.