Alberte Pagán. Ao norte de Romênia topa-se a rural Maramureş, cos seus bosques e vales e coas suas igrejas de madeira de estilizadas torres. A vila de Sighet (oficialmente Sighetu Marmaţiei) serve de passo fronteiriço: um breve passeo leva-nos à vila ucraniana de Solotvino, ao outro lado dumha ponte sobre o rio Tisa.
Em Sighet está a casa natal do escritor e Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, hoje convertida em museu. Foi nesta casa onde vivia o neno Wiesel quando os alemáns chegárom para levar à populaçom judia aos campos de extermínio de Auschwitz e Buchenwald. Wiesel viu morrer a mai e irmá e pai, e foi testemunha da perda de humanidade das persoas nos campos, onde um era quem de vender ao pai por um anaco de pam, onde o instinto de supervivência impunha-se à dignidade.
Conta todo isto o próprio Wiesel em A noite, a primeira novela da sua Trilogia da noite. Pode-se sobreviver a Auschwitz? Wiesel sobreviveu, mas perdendo polo caminho a fe em deus e mais a capacidade de amar (algo que bem reflicte a terceira novela, O dia).
Na segunda novela, A alba, a vítima volve-se verdugo. Captado para a luita contra a ocupaçom inglesa de Palestina, Wiesel converte-se em “terrorista” (é o termo empregado polo narrador) e toca-lhe a ingrata tarefa de ter que executar a um soldado britânico em represália polo ajustiçamento dum miliciano judeu.
A novela narra em primeira persoa a etapa prévia ao nacimento do estado de Israel, conseguido a base de bombas, atentados e assassinatos. Confessa o narrador ao fantasma do seu pai: “Nom me julgues. Julga a Deus. É El quem criou o universo e fixo que a justiça se obtenha coa injustiça, que a felicidade dum povo se adquira ao preço das bágoas, que a liberdade dumha naçom, como a dos homes, seja umha estátua erguida sobre os corpos dos condenados a morte…”
A novela é um documento único, porque narra em primeira persoa e com grande sinceridade o conflito entre a paz interior (a conciência) e o dever histórico. Mas há algo que falha: reduzido o conflito ao choque entre um povo que luita pola independência (o povo judeu) e o ocupante británico, a populaçom palestina fica ausente do relato. Entom começamos a duvidar da sinceridade que aplaudíamos antes.
Fagamos um salto adiante de sete décadas. As velhas vítimas, agora reconvertidas nos mais cruentos e implacáveis verdugos, bombardeam umha vez mais a faixa de Gaza, para rematarem cos “terroristas”. Dous mil mortos, entre eles centos de crianças. O Nobel da Paz Elie Wiesel justifica o massacre ao acusar a Hamas de utilizar as crianças como escudos humanos num anúncio (que The Times rejeitou publicar) no que os acusa de nazis. Semelha que nestas últimas décadas Wiesel perdeu toda empatia polas vítimas, e desde logo toda comprensom polos povos que luitam pola liberdade. Voltemos às suas próprias palavras em A alba: “So lhe dixem que nom era um assassino, senom um soldado, um libertador, um idealista que sacrificava a sua paz interior —que vale mais que a vida— polo seu povo, polo direito do seu povo ao sol, à alegria, ao riso das suas crianças.” Parece que há povos que tenhem mais direitos que outros…
Numha carta publicada no New York Times, 327 sobreviventes (e descendentes) judeus do Holocausto respondérom a Wiesel (“indignados pola sua justificaçom do injustificável”) condenando o massacre de Gaza e, “alarmados pola desumanizaçom racista e extrema dos palestinos na sociedade israeli”, chamando a um pleno boicote de Israel. “O genocídio começa co silêncio do mundo”, dim estas vítimas que nom esquecérom o que significa ser vítima. E rematam a carta lembrando o “Nunca Mais” pós-nazi: “Nunca Mais deve significar Nunca Mais para Ninguém.”