Alberte Pagán. Se a definiçom de actriz é aquela persoa que finge que nom está a fingir, daquela AveLina Pérez nom é actriz. Porque AveLina Pérez curtocircuita o fingimento e simplesmente está, simplesmente é ela sobre o cenário, sem artifícios, sem personages, sem máscara. Lina Pérez é a sua própria personage, ou (re)cria-se a si mesma como personage ante o público.
Mas AveLina Pérez é umha mulher de teatro, até o cerne, e o que semelha natural e espontáneo e improvisado está profundamente trabalhado e meditado e ensaiado; mas sem fingimentos, com verdade. Pérez expressa-se através das suas postas em cena e os seus textos convertem-se em manifestos políticos. Porque a sua obra é profundamente política e libertária. E os seus textos, nunca fixos, evoluem e cámbiam com ela no tempo. Ela é os seus textos, e em A que non podes dicir cocacola ou Os cans non comprenden a Kandinsky está ela soa no cenário, ela coa sua palavra, como se um elenco maior redundasse no artifício e convertesse a protesta em trabalho. Lina espida, a palavra espida; a palavra ispe a Lina porque Lina na realidade está a falar de si mesma. O seu posicionamento político é rebeldia persoal; numha sociedade castrada e adormecida Lina nom se deixar domar. E berra. O berro sujo que é Os cans non comprenden a Kandinsky.
AveLina Pérez deixou um trabalho estável para poder dedicar-se ao que lhe gosta, ao teatro; deixou um trabalho estável para poder viver. A sua crítica a esta sociedade capitalista e consumista que renúncia à vida e ao lecer para perder-se num círculo vicioso de trabalho-consumismo tomou corpo na sua obra Gañaremos o pan co suor da túa fronte. O nome da companhia: Tripalium.
Busco no dicionário a etimologia da palavra “trabalhar”: do latim tripaliare=torturar. E que é o negócio senom a negaçom do ócio? Ante o trabalho como obriga social (para que o patrom se enriqueça a conta nossa), o direito à preguiça como arma anticapitalista.
Com certa freqüência Lina, para sobreviver, ganha concursos de dramaturgia breve ou teatro radiofônico. É curioso que, de momento, nunca levasse esses textos ganhadores aos cenários, como se se avergonhasse deles, meros jogos de entretenimento e alimentares que nom som dignos de maior consideraçom. Lina fuge da frivolidade, da arte como entretenimento, porque conhece o poder da palavra. Toda palavra que nom sirva para loitar contra este sistema opressor será palavra conformista que ajuda a apontoá-lo.
É por isso que tampouco nom se sentiria cómoda trabalhando numha companhia teatral ao uso, porque, teatro ou nom teatro, seria “trabalho”. O seu som as baiucas, os cabarés, os pequenos lugares alternativos, como essa Sala Montiel efêmera e itinerante na que representou, em Compostela, a sua última peça, Os cans non comprenden a Kandinsky, um monólogo sujo, escuro, feo, um espectáculo teatral sem acçom e sem teatralidade. Ou isso é que nos quer fazer crer, porque se trata dumha “inacçom desganada e ridícula como alternativa”; e essa é a palavra chave: “alternativa”, sacar ao público da sua zona de confort e fazê-lo pensar, resistir, rebelar-se. Contra a própria obra se fai falta.
Num curruncho do cenário pode passar desapercebida umha mesa sobre a que umha boneca ergue umha pancarta que di “EU + coraçom + código de barras”: “Eu amo os códigos de barras”. Ou bem (num significado ainda mais tétrico) “Eu amo”, pero este amor meu, com código de barras, é um amor de compra-venda. A boneca reproduz a posiçom da actriz ao início do espectáculo: braços em alto, o cartaz que Lina enarbora di “Je suis artiste”.
Mas paremo-nos um chisco antes de pensar que entendemos a mensage. Se caímos na tentaçom de interpretá-la como reivindicaçom boémia da liberdade da artista, que nom se sujeita às normas sociais, lembremos que, como a da boneca, a pancarta de Lina exibe um código de barras que questiona tal liberdade. Do micrófono pendura um código de barras, e todos os objectos da mesa (e do cenário) estám marcado a fogo por cadanseu código de barras. Todo se merca e se vende. Nom há existência além do código de barras.
Lina busca umha alternativa, na vida e no teatro, umha vida e um teatro sem códigos, livres e, como tal, subversivos. O discurso em si, a possibilidade de expressar-se, é revolucionário. Nom deixemos que no-lo roube o capital, que mesmo merca e vende revoluçons.
E um sai da obra cheo de teatro e de poesia e de beleza. O teatro de AveLina Pérez, feito de sinceridade, ironia e humor, muito humor, é isso e muito mais.