Alberte Pagán. A minha adolescência estivo marcada pola leitura dos livros de Star Books. A editorial barcelonesa Producciones Editoriales, fundada em 1970, publicava bandas desenhadas, ficçom futurista e novelas de vaqueiros, mas com o nacimento da sua coleçom Star Books em 1975 derivou definitivamente cara à contracultura. Star Books sacou à luz 36 livros entre 1975 e 1982. En la carretera (Jack Kerouac) foi a publicaçom inaugural, e grande parte dos seus esforços centrárom-se na traduçom e publicaçom, em muitos casos por primeira vez, da literatura Beat e adjacentes (Allen Ginsberg, Gregory Corso, William Burroughs, Neal Cassady) assi como de outros escritores contraculturais, psicodélicos e rebeldes como Timothy Leary(Confesiones de un adicto a la esperanza), Woody Guthrie (Con destino a la gloria), Bob Dylan (Tarántula) ou Jim Morrison (Señores y nuevas criaturas). Porém na heterogênea e transversal Star Books tinha cabida tudo o que soasse a libertador, transgressor e heterodoxo, fossem as aventuras de Jack London ou os tratados de Voltaire, as confissons de Thomas de Quincey ou os ensaios de Henry David Thoreau, as utopias de Samuel Butler ou as farsas de Alfred Jarry. E tudo o publicado em Star Books era de obrigada leitura.
As coloridas e criativas capas nom ocultavam as gralhas: as traduçons de Star Books eram apuradas e clandestinas (em muitas ocasions nem se molestavam em dirimir direitos autorais), as encadernaçons febles, o rigor melhorável: Ginsberg aparece em portada como “Allan” e Neal Cassady como “Cassidy”. Mas a quem lhe importavam essas minudências quando che estavam abrindo portas a mundos cuja existência nem suspeitavas.
Na Galiza, salvando distáncias políticas, temporais e geográficas, a editorial Positivas herdou em certa maneira o papel alternativo de Star Books. Já nom eram os anos de Transiçom, as luitas nas ruas mudaram e o espírito libertário hippie ficava um tanto distante, mas parte do catálogo de Positivas bem se poderia ver como umha continuaçom de Star Books: contos tradicionais ciganos, a carta do grande chefe Seattle, o direito à preguiça de Lafargue, a autobiografia de Gerônimo, os Papalagui, Pasolini e mesmo Thoreau, autor que Positivas comparte com Star Books.
Mas Star Books tamém tinha oco para a produçom literária espanhola. Um bom exemplo é a publicaçom número 10 de 1976: Poemas V2, de Ángel Carmona, um pioneiro exercício poético de vanguarda que oferece o que o seu subtítulo indica: Poesía compuesta por una computadora. Que a primeira programadora da história, Ada Lovelace, fosse filha dum poeta (Lord Byron) nom é tam relevante na relaçom entre informática e lírica como o feito de que a estrutura rítmica e repetitiva da poesia (de certa poesia) bem se presta para a programaçom computacional.
A lírica de Poemas V2 foi criada, segundo explica o autor no prólogo, por um programa informático elaborado por Pedro Crespo e José Joaquín Royo “codificado em linguage RPGII e processado num sistema 32 de IBM com 24k de memoria principal”. O computador foi alimentado com “dezasseis gramáticas (frases tipo)” e um ficheiro de 470 palavras para converter-se numha máquina geradora de poemas. O seu simples desenho produziu umha “rotina aleatória” (repetiçom e variaçom) de alto valor poético. Os poemas (em rigor um único poema sem princípio nem fim) devem-lhe muito ao marco teórico das gramáticas generativas (criaçom de enunciados corretos a partir das normas sintáticas) assi como ao estruturalismo saussuriano (substituiçom de elementos no eixo paradigmático). O resultado é singelo e primitivo, como umha pintura rupestre; e como ela abre o caminho a futuras elaboraçons e desenvolvimentos.
Poemas V2 é poesia automática no mais estrito sentido da palavra. Dadá e o surrealismo nom andam longe. O azar como elemento poético sustenta-se na gramática; como no caso da língua de Finnegans Wake, a sintaxe é o esqueleto que mantém a legibilidade. Vejamos alguns exemplos deste processo generativo-combinatório: o verso “cómo me duelen los áureos sueños” repete-se noutros momentos com as três últimas palavras (artigo+adjetivo+nome) trocadas por “las tímidas tristezas”, “las oscuras muertes”, “las quietas tristezas”, “los engañosos bosques”, “los quietos desiertos” ou “los níveos jardines”; “los ángeles se pasean soñando tus senos” reinterpreta-se como “los ángeles se deshacen rozando tus muslos” e “los buzos se retuercen buscando tus muslos”; “muerden tus versos sus besos” regenera-se como “hieren tus golpes sus llantos”, “miran tus temores sus besos”, “muerden tus versos mis palabras”, “tocan tus pasos mis ojos” ou “tocan tus llantos mis labios”. Repetiçom e variaçom.
A ediçom de Poemas V2 de Star Books reproduz facsimilarmente o “papel pijama” (assi chamado polas suas linhas de cor alterna), contínuo e perfurado, utilizado polas impressoras matriciais. O texto está inteiramente em maiúsculas e carece, quitando as vírgulas, de signos de pontuaçom. O autor resolve estas carências escrevendo por riba, manualmente, interrogaçons, exclamaçons e correçons de gralhas. Carmona aproveita esta revisom para tachar certas estrofes (na realidade certas “frases tipo” com as suas variaçons) que nom considera logradas: mínimo retoque humano ao produto sentimental dumha máquina.