Alberte Pagán. Hai discos que acabam formando parte da própria persoa, nom porque sejam melhores ou piores, senom porque, a base de escoitá-los ininterrom-pidamente desde a adolescência, acabam formando parte do nosso fluido vital. Escoitei o Get Up With It de Miles Davis por primeira vez quando ainda nem sabia de que álbum se tratava, pola singela razom de que havia na casa umha cinta de 90 minutos cumha única inscriçom, “MILES DAVIS”, que continha essa música. Essa é a vantage de ter um irmao maior: serve de atalho para chegar a certas regions às que um tardaria anos em aceder.
Era umha música estranha que me chamava desde mundos desconhecidos, longos temas (dous deles de mais de meia hora de duraçom) hipnóticos e psicodélicos que às vezes deixavam entrever as raízes blueseiras. Nunca escoitara nada semelhante. Décadas despois, comprovo que é umha música perfectamente contemporânea, que nom envelhece, porque em realidade é umha música do futuro.
Sabia que Davis era um trompetista de jazz. Mas a mim aquela música extraterrestre nom me semelhava jazz. Na realidade, nom se parecia a nada conhecido. E aquel estranho som, era realmente a voz dumha trompeta? Co tempo fum descobrindo que Davis gravara um álbum revolucionário chamado Bitches Brew. Tinha que ser esse, pensava eu. Todo coincidia: um álbum dobre, umha funda psicodélica… Foi assi que copiei a portada dalgum catálogo e a debuxei no cartom da minha bem querida cinta. E assi, durante anos, eu seguia a escoitar Get Up With It crendo escoitar Bitches Brew.
Até que um dia merquei o CD de Bitches Brew. Estava tam convencido de que era esse o álbum em qüestom que quando o escoitei levei umha grande decepçom. Ainda hoje, o álbum revolucionário, o disco de jazz mais vendido, a obra mestra de Miles, segue a parecer-me inferior a Get Up With It, porque é um disco que me chegou tarde, que nom medrou comigo. A partir daquela comecei a buscar a identidade da minha cinta: visitava as tendas de discos e mercava todo o que topava do Davis eléctrico, todo o gravado entre 1969 (ano de Bitches Brew) e fevereiro de 1975 (Agharta e Pangaea). Mesmo acabárom nas minhas maos discos piratas de concertos da época. Mas nengum coincidia coa música da minha cinta.
Até que por fim dim com Get Up With It. Lembrade que nom conhecia nem o título nem a portada do disco, polo que a alegria do reconhecimento (do reencontro) nom tivo lugar até chegar a casa e pôr o disco no reprodutor. E por fim lhe pudem pôr nome a esses velhos amigos, a esses longos e intensos temas que tanto me acompanharam: “He Loved Him Madly”, tributo a Duke Ellington e que Brian Eno reconhece como inspiraçom; “Rated X”, “Mtume”, que toma o nome do percussionista; ou “Calypso Frelimo”, título que fai referência à Frente de Libertaçom de Moçambique. (Um dos dous discos do dobre álbum Pangaea, onde Davis repete a mesma formaçom de Get Up With It, está completamente ocupado por outro –longuíssimo– tema dedicado às loitas de independência africanas: “Zimbabwe”, composto anos antes de que existisse um país com esse nome.)
Em Get Up With It a instrumentaçom é tam inovadora como a própria música: tres guitarras eléctricas, sitar eléctrico, a tabla de Badal Roy, frauta… Miles toca a trompeta eléctrica com surdina (de aí a estranha tonalidade dos seus fraseos) e o órgao, às vezes a um tempo. E à bateria está o grande Al Foster, que passou este mês passado polo Café Latino de Ourense e ao que me acheguei, tras o concerto, para que me assinasse a cópia de Get Up With It. Quando lhe explico o importante que é esse álbum para mim, fica mirando o retrato de Davis da portada e di: “Ainda é hoje o dia em que o boto de menos.”