Alberte Pagán. Quiçá a obra mais conhecida da literatura colonial britânica seja a Passage para a Índia (1924) de E. M. Foster, que tira o seu título do poema homônimo de Walt Whitman. Nela, umha moça inglesa de visita na Índia acusa de assalto sexual a um médico índio que a acompanha numha excursom. Esta falsa denúncia desencadea os prejuízos e rompe as frágeis relaçons raciais entre a cidadania índia e os colonizadores britânicos. Porém, a crítica política está ausente e a novela nom é quem de condenar o imperialismo do Reino Unido. No ano da publicaçom de Passage para a Índia George Orwell servia como polícia na Birmânia, daquela integrada administrativamente na Índia ocupada.
Desta experiência naceu a sua primeira novela, Dias na Birmânia (1934), cujo argumento tem moitas semelhanças co da novela de Foster. Dias na Birmânia é umha obra existencial e pessimista, e é este pessimismo o que lhe permite adentrar-se na area política para condenar o imperialismo britânico, essa “mentira de que estamos aqui para educar os nossos malpocados irmaos negros em vez de para roubá-los”. O mercador Flory, o protagonista, topa-se numha posiçom incômoda: os seus compatriotas desprezam-no polas suas amizades birmanesas e polo seu igualitarismo, entanto a populaçom nativa nom pode deixar de sentir ante el o desequilíbrio de poder. Nesta ruela sem saída Flory opta por quitar-se a vida.
Duas décadas despois Anthony Burgess publicou a sua primeira obra de ficçom, a trilogia malaia O longo dia míngua, que toma o título dum verso do poema Ulisses de Lord Tennyson. Publicadas entre 1956 e 1959, as tres novelas (A hora da cerveja, O infiltrado e Leitos orientais) repetem o consabido tema das tensons raciais, mas desta vez a insurgência independentista e comunista entra de cheo na ficçom: estamos nos estertores do império. A trilogia, dedicada em malaio “a todas as minhas amizades malaias”, conta de novo como protagonista cum expatriado britânico, um paternalista Victor Crabbe, que neste caso exerce de professor de história e, como bom colono, ve-se no dever de loitar contra o “terrorismo” da guerrilha. Leitos orientais remata coa celebraçom da independência do país.
Mas moitos anos antes de todo isto Leonard Woolf (marido de Virginia, a quem está dedicada a novela) publicara Umha aldea na selva (1913), situada no sul de Ceilám (actual Sri Lanka) onde Woolf trabalhara durante uns anos como magistrado. Como no caso de Orwell, a experiência colonial como parte da engrenage opressora apontoou as suas convicçons anti-imperialistas e socialistas. Umha aldea na selva afasta-se das novelas comentadas arriba num aspecto fundamental: está narrada desde o ponto de vista da populaçom nativa, e a única personage europea, moi secundária, é o juiz britânico que, apesar de comprender e simpatizar cum dos protagonistas, acaba condenando-o.
Esta primeira novela de Woolf tampouco se dedica a indagar na burguesia nativa, senom que opta por se achegar às zonas rurais mais deprimidas para denunciar as injustiças padecidas polas classes desfavorecidas e de passo fazer umha crítica das relaçons de poder. A família de Silindu é desprezada por viverem como veddahs (a etnia nativa de Sri Lanka). A superstiçom, os matrimônios nom tolerados, os matrimônios forçados, as dévedas impagáveis e as falsas acusaçons de roubo levam ao velho Silindu a cometer dous assassinatos, o do pedáneo (correa de transmissom do poder colonial) e o do prestamista, símbolo do capital opressor. Como o velho e manso búfalo, Silindu revira-se com força quando ferido e acurralado. A selva que rodea a aldea acaba impondo nom só a sua lei na sociedade humana desta pequena aldea de dez choupanas, mas tamém reclama o que é seu, o próprio território: passado o tempo só ficará umha soa cabana habitada, a de Punchi Menika, filha de Silindu, despois de pai e marido morrerem na cadea. Ao final da novela um javaril, que Punchi Menika interpreta como o dianho da selva, provocará a sua morte, e com ela a morte da aldea.
Pablo Neruda afirma, nas suas memórias, que a novela de Woolf é “uno de los mejores libros que se haya escrito jamás sobre el Oriente, obra maestra de la verdadera vida y de la literatura real.” Porém apenas é conhecida em Ocidente, a figura de Woolf apagada pola sombra gigante da sua mulher. Mas a verdadeira razom deste esquecimento há que buscá-la no feito de que o protagonista da sua novela nom é branco: o narrador mostra em todo momento o ponto de vista indígena. E é este mesmo feito o que acabou introduzindo a novela no cánon literário srilankês, como se Woolf fosse um mais dos seus escritores. Baste isto para evidenciar a falta de orientalismo e paternalismo na sua novela, pecados dos que dificilmente escapam narraçons como a de Foster.
A adaptaçom cinematográfica de Lester James Peries, Beddegama (1980), é umha mostra mais do apreço do que goza a novela em Sri Lanka. Beddegama nom se distingue doutras películas de Peries, como Gamperaliya (1963), baseada num clássico literário srilankês: em ambas temos a mesma olhada local e directa. Na sua adaptaçom Peries prescinde dos dous últimos capítulos d’A aldea na selva, nos que Woolf detalha o longo caminho de Silindu até a cadea. Prefere rematar cumha breve voz narrativa que nos conta o destino dos dous homes presos, e coa espera de Punchi Menika a que um demo da selva, surgido dum leopardo, venha buscá-la.
A primeira image de Beddegama é a do esqueleto dum búfalo, metáfora dumha seca que nom deixa prosperar a aldea, mas tamém da lei da selva, que reclama o que é seu. A novela de Woolf começa cumha detalhada descriçom da selva e as suas leis, que acabarám sendo as da sociedade humana. Peries sintetiza esse primeiro capítulo com images documentais dum leopardo apressando um porco bravo. É o mesmo leopardo que, transformado em demo, acabará coa última habitante da aldea ao final da película.
Tamém troca Peries o devir temporal lineal da novela ao converter toda a narraçom numha reminiscência. A película apresenta-nos a um representante britânico (Leonard Woolf, interpretado por outro escritor inglês exilado em Sri Lanka, Arthur C. Clarke) que visita Beddegama, a aldea na selva, e rememora todo o acontecido anos atrás. Um octogenário Leonard Woolf efectivamente visitara os cenários da sua novela em 1960. Mas o recurso temporal de Peries nom deixa de ter um paralelismo na própria escrita da novela, redactada em Inglaterra a partir das memórias da sua estância em Ceilám.
Un inmaculado artigo que nos ilustra sobre as esquizofrénicas interioridades do imperialismo. Alberte parece domeñar a sua denuncia cun estilo sobrio e elegante. Para min supón o descubrimento de novos autores, de lecturas posibles. Ise é o encanto da literatura, unha laberíntica asociación de títulos, de referencias novelescas, que sin dúbida nos invitan a indagar e tirar do fio da historia, da historia da literatura.
Coma sempre, Alberte Pagán, da unha mirada lúcida e ben documentada do que fala.
Sempre comprometido cos oprimidos, desfavorecidos ou sometidos en calquera escenario ou lugar do mundo, e avaliando os seus artigos coa inestimable credibilidade dos seus periplos polos lugares mais remotos do planeta.
Sempre ávido de novas vivencias e impenitente explorador do ser humano.Mais humano canto mais aillado.Mais humano canto mais en comunión coa natureza.
Sempre buscando esa rara avis nos confíns da Terra que nos devolva a fe nos que nos rodean .